"Ninguém está vendendo nada"
Por Márcio Fenelon
Cerca
de dois anos atrás um amigo resolveu comprar um apartamento na planta.
Fez um pouco de conta e achou que aguentaria as parcelas mensais e
semestrais com suas aplicações mais o salário. E foi em frente.
Sempre
me ligava todo empolgado com a valorização do imóvel. Confesso que ficava
um pouco confuso porque não entendia a animação se ele pretendia usar
aquele imóvel para moradia. Mas conforme o preço foi aumentando, a
estratégia do meu amigo mudou. Agora ele iria vender quando ficasse
pronto.
Depois
de dois anos infelizmente aconteceu. Chegou uma parcela semestral que ele
não consegue pagar e a incorporadora ameaça realizar o distrato, com
multa e encargos para ele. Ao mesmo tempo, toda aquela alegria com a alta
dos preços sumiu, porque “ninguém está vendendo nada”.
Este
tipo de história tem acontecido frequentemente...
Nas
newsletters anteriores falamos da ocorrência de uma bolha no mercado
americano causada pelo aumento de empréstimos com excessivo comprometimento
da renda dos americanos.
Detalhamos
semelhanças e diferenças entre o mercado americano e o brasileiro.
Sim,
aqui houve crescimento de preço e volume de financiamentos em percentuais
até mais fortes do que o americano.
Porém
as instituições financeiras se comportaram bem e o comprometimento da
renda das famílias não é tão grande quanto nos Estados Unidos. Além
disso, tivemos crescimento da renda per capita no Brasil, coisa que não
houve nos EUA no período da bolha.
Mas
além de expansão de financiamento e renda, quais foram os outros itens
que influenciaram este crescimento de preço no mercado brasileiro?
Bônus
demográfico
Um
vento a favor muito importante para a demanda de imóveis foi o chamado
bônus demográfico. É o efeito de uma alta taxa de natalidade nas últimas
décadas, formando uma população jovem que está casando e comprando
imóveis. Há 1 milhão de casamentos por ano no Brasil e 280 mil divórcios
impulsionando este mercado.
Este
é um fator estrutural, que veio para ficar por um bom tempo. As pessoas
se casam e arranjam imóveis cuja prestação do financiamento cabe no
bolso.
Não
é coincidência que as incorporadoras estão fazendo muitos lançamentos de
um quarto e com tamanho menor nos grandes centros urbanos. O jovem casal
topa começar com um espaço pequeno porque sabe que teria que morar muito
longe para conseguir mais espaço.
Upgrade
/ saída de aluguel
A
melhora de renda e da capacidade de pagamento de financiamentos também
incentivou o upgrade e a troca do aluguel por um imóvel próprio.
Aliás,
nesse caso, as pessoas não sentiram tanto o movimento de subida de preços
pois os imóveis que moravam também aumentaram bastante. Então era só
questão de encaixar a diferença de preço do imóvel novo mais caro em um
financiamento.
A
demanda por upgrade é muito volátil porque na maioria das vezes o desejo
de melhorar de moradia pode ficar em segundo plano durante momentos de
maior incerteza, como o que vivemos agora.
Flippers
Não,
não é um monte de golfinho do seriado de TV (essa referência é só para os
mais rodados...). Flipper é a pessoa ou empresa que compra imóveis
geralmente no lançamento para vendê-los (“flippar”) com lucro na entrega
ou perto dela, contribuindo para a aceleração do processo de subida dos
preços. Os flippers sempre se aproveitam de uma demanda de compradores
com pressa para se mudar.
A
estratégia de comprar na planta e vender na entrega funcionou bem durante
muitos anos. Agora o flipper que comprou muitos imóveis está em uma
enrascada. Não terá como conseguir um financiamento porque não tem renda
suficiente para tantos imóveis e terá dificuldades para vender por conta
da redução da velocidade de vendas.
Três
fontes de demanda
Houve
então três fontes principais da demanda nos últimos anos: bônus
demográfico, flippers e upgrade/saída do aluguel. Desses três fatores
principais somente o bônus demográfico persiste com força. Os flippers
estão assustados com o mercado, as pessoas que procuram upgrade perderam
a pressa por conta dos preços e as pessoas em aluguel têm mais
dificuldade de obter financiamento.
Estamos
em um mercado com significativa queda de demanda. Basta olhar a
velocidade mensal de vendas de imóveis residenciais novos em São Paulo,
por exemplo. Caiu para 8% dos lançamentos no 2T14 em comparação à média
de 11,1% dos últimos dois anos, uma queda de 28%. Isso sem levar em conta
que as incorporadoras reduziram bastante os lançamentos.
Financiamento
bancário
A
torneira dos financiamentos imobiliários não fechou, mas reduziu a vazão.
Os bancos estão mais exigentes para conceder empréstimos, fazendo
investigações que antes não faziam.
Por
exemplo, antes de realizar um financiamento os bancos agora olham para o
comportamento de consumo dos clientes por meio das faturas de cartão de
crédito. E recusam clientes por causa disso.
Há
dois efeitos importantes. Para explicar o primeiro precisamos de uma
pequena introdução de como funciona uma incorporadora.
A
ideia de uma incorporação de imóvel é que o cliente pague de seu próprio
bolso cerca de 20% do valor total da compra e que a incorporadora pegue
um empréstimo no banco para bancar os 80% restantes da construção. É o
chamado financiamento da construção.
Ao
fim da construção, o cliente pagou 20% do valor e deve 80%. Se ele não
tiver como pagar à vista esta diferença (quase nunca tem), ele deverá obter
um financiamento de um banco para pagar a incorporadora.
Ao
mesmo tempo, a incorporadora precisa pagar os mesmos 80% que deve para o
banco. E para pagar este financiamento, a forma mais fácil é se o cliente
fizer o seu empréstimo pelo mesmo banco que financiou a construção para a
incorporadora. Assim nem precisa haver transferência de dinheiro. A
incorporadora paga o seu empréstimo transferindo a dívida para o cliente
final. É o que se chama de repasse da dívida.
As
incorporadoras têm diferentes níveis de disciplina na concessão deste
crédito na hora da compra. As mais responsáveis usam exatamente os mesmos
critérios que o banco e outras são mais flexíveis.
O
problema é que os bancos mudaram os critérios de concessão de crédito por
conta das incertezas econômicas que todos conhecemos. E aquele cliente da
incorporadora que antes atendia todos os critérios do banco agora está
sendo rejeitado. Não há como fazer o repasse.
As
soluções para o cliente rejeitado são poucas. Buscar o financiamento em
outro banco. Tentar vender o imóvel e repassar a dívidas para terceiros.
Ou enfrentar o cancelamento do contrato, o famoso distrato, com multas e
outros encargos.
Essa
tem sido a principal razão para o aumento recente dos distratos. No
distrato, o cliente deixa de ser dono do imóvel e a incorporadora devolve
o dinheiro pago em suaves parcelas porém descontado de multas e encargos.
A consequência é o aumento de estoques de imóveis prontos das
incorporadoras e que certamente afeta o mercado como um todo.
A
incorporadora que executa muitos distratos tem um belo problema na mão:
precisa receber 100% do preço do imóvel e a conta do financiamento da
construção junto ao banco não vai sumir. Isso eleva a necessidade de
capital de giro das empresas e faz com que tenham muita pressa em
revender as unidades distratadas. Não é à toa que vimos muitos saldões de
imóveis nos últimos tempos.
O
cenário é de maiores estoques nas incorporadoras por conta dos distratos,
acompanhado de alguns flippers precisando vender mais rapidamente os
imóveis porque também não conseguem financiamento. Em outras palavras, um
ambiente de maior oferta de imóveis.
Outro
efeito da restrição de financiamento por parte dos bancos é que muitos
compradores de imóveis novos e usados não conseguem aprovação de
financiamento, impedindo o negócio e reduzindo a demanda por imóveis.
No
fim das contas é um cenário de demanda reduzida e oferta aumentada.
Mas
será que essas mudanças de oferta e demanda são suficientes para a explosão
de uma eventual bolha? O que motivaria uma queda relevante?
Isto
fica para semana que vem.
Um
abraço,
Márcio
Fenelon
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